23 de fevereiro de 2015

Criança morta após choque em carregador é mais um boato no WhatsApp.

Mais um boato ganhou força no WhatsApp. Em menos de uma semana, recebi a mesma mensagem de cinco pessoas diferentes. A repercussão foi tamanha que dois parentes vieram me procurar pessoalmente para que tomasse cuidado. Confesso ter estranhado, mas fiquei apreensiva. Imagine aquelas mães que pouco ou quase nada conhecem de tecnologia?

O texto dizia que uma menina de dois anos teria morrido após tomar um choque elétrico em um carregador de celular ligado na tomada e sem conexão ao celular. A criança teria colocado na boca a parte que conecta o carregador ao celular. O caso, segundo a mensagem, teria acontecido na cidade de Cícero Dantas, na Bahia. O que tornou o conteúdo ainda mais chocante foi a foto anexada.

O primeiro ponto questionável está relacionado à potência dos carregadores de celulares. Como um aparelho que funciona como um transformador de energia, fazendo com que a corrente seja diminuída ao passar da tomada para o aparelho --os 127 volts da tomada se tornam 5 volts para o celular--, poderia dar choque um choque tão forte capaz de levar uma criança ao óbito?

Tudo bem que há casos isolados de acidentes graves. Entre eles, a morte de uma jovem chinesa eletrocutada ao atender uma ligação no iPhone ligado à tomada, em junho de 2013. Mas, segundo Antônio Carlos Gianoto, professor de Engenharia Elétrica e Telecomunicações do Centro Universitário da FEI, os carregadores estão blindados a esses tipos de riscos. "Além da corrente elétrica [que causa o choque elétrico] ser muito pequena, esses aparelhos são compactos e bem protegidos, com o isolamento do conector e as partes metálicas bem resguardadas. Ou seja, os riscos de choque são muito baixo, diria até que não existem."

Para que houvesse o dano, o especialista afirma ser necessário que a criança ou qualquer outra pessoa fosse capaz de morder o carregador a ponto de desencapar a fiação e, consequentemente, encontrar um fio no outro. Outro risco é o uso de um objeto metálico --uma tesoura ou um alicate-- para cortar o fio. "Isso pode gerar uma descarga elétrica, que pode até causar uma arritmia ou uma parada cardíaca", cita Gianato, que recomenda que os carregadores, apesar do baixo risco, fiquem fora do alcance de crianças. Além disso, cuidados simples ao carregar o celular ajudam a prevenir choques e até incêndio. 

Mas, para tirar a dúvida se o suposto caso da Bahia teria sido mais uma dessas raridades, o UOL Tecnologia entrou em contato com as principais autoridades de Cícero Dantas --Polícia Militar, Polícia Civil e Instituto Médico Legal--, que informaram que nenhuma criança de dois anos teria morrido na cidade por causa de um choque elétrico em um carregador de celular.

E, se não bastasse, a foto usada para espalhar o boato se trata de uma menina de quatro anos que teria sido degolada pela mãe em Lábrea (AM). O caso foi noticiado pelo portal amazonense "A Crítica", em 21 de outubro.

Como desvendar boatos na rede

Os boatos que correm nas redes sociais possuem características próprias que, segundo Edgard Matsuki, editor do Boatos.org, ajudam a identificá-los em meio aos diversos conteúdos compartilhados no mundo virtual. "Nesse ambiente, a fonte da informação é o amigo, o parente ou qualquer outro conhecido que não se preocupa em checar o conteúdo antes de repassá-lo", afirmou ele, que recomenda cuidado redobrado com o que se lê tanto no Facebook como no WhatsApp.

O reconhecimento de uma mentira, como orienta Edgard, começa pela análise da estrutura textual da mensagem. "Geralmente são textos muito longos, que não identificam fontes, e com muitos erros de português", disse Matsuki. De acordo com ele, os boatos também possuem caráter alarmistas, com parte do texto em caixa alta e o uso abusivo de pontos de interrogação. "Como no caso de Cícero Dantas, o texto começava 'alerta aos pais'. Há casos que usam o 'Cuidado'. Sem contar nas imagens chocantes usadas para realmente despertar a atenção dos leitores."

Outra característica desses conteúdos falsos é o pedido de compartilhamento no final do texto. "É por isso que eles, muitas vezes, acabam se tornando viral", acrescenta o editor do Boatos.org, que recomenda o uso da própria internet para checar as informações antes de repassá-las e até mesmo se alarmar. "Cole parte do texto em um site de buscas. O mesmo deve ser feito com a imagem. Com essa simples busca, identifique se a história foi confirmada por uma fonte confiável. Se não tem uma fonte, há grandes chances de ser mentira."

com o uol noticias.